segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Prós e Contras

Aqui me encontro, na minha sala, a assistir ao Prós e Contras, que coloca de um lado a nossa querida ministra e do outro, os docentes em geral.

Aqui, urge dizê-lo, faço-o utilizando o meu portátil, escolhido, comprado e pago por mim e que utilizo também, obrigatoriamente, como instrumento (fundamental) para o meu trabalho - ou não fosse eu professor de Informática. E menciono isto porque não, não comprei um computador ao abrigo das eOportunidades, com os tais portáteis que custam 150€ inicialmente mas que, para professores, envolvem a manutenção de uma assinatura mensal durante três anos, que faz ascender o custo total do equipamento acima dos 700€... Ora por esse preço, muito obrigado, mas vejo eu a ementa e escolho o que quero com aquilo que preciso.

Mas adiante.

Gosto desta ministra. Simpatizo com ela, pronto. Como gosto dos meus miúdos com Necessidades Educativas Especiais. Sei que vivem num outro mundo, mas vivem com o sorriso inocente estampado nos lábios. Ignorance is bliss, diz-se. É um óptimo exercício de humor ver uma senhora que se percebe que nunca deu uma hora de aulas numa escola pública (daquelas com vidros partidos, falta de giz, falta de papel, falta de aquecimento, falta de lugares e de condições de trabalho para os docentes) dizer com aquela boca toda que ela é que sabe o que é melhor para os professores.


Aulas de Substituição - Diz-nos a ministra que as aulas de substituição entraram num lume brando. Já não há atritos. Alguém diga à senhora que o facto de a gente não continuar a chorar baba e ranho prende-se com a maturidade típica dos adultos. Não há satisfação. Nem nossa nem - pasme-se - dos alunos. Aliás, aqui entre nós, cara ministra, nunca dei uma aula de substituição propriamente dita. Fui escalado para algumas, é certo. Fui a duas. Entretive-me a conversar com alunos de turmas que eu não conhecia e a ouvi-los lamentarem o facto de estarem presos ali numa sala em vez de aproveitarem o sol que brilhava lá fora. Na segunda fui mesmo lá para fora com eles. Grande "aula". Tornei-me um educador. Um acompanhante de alunos nos seus tempos sem aulas. Brilhante. Haja polivalência.


Denegrir a imagem dos professores - Diz-nos a ministra que não denegriu a imagem dos professores. Pobrezita. Santa inocência. Não vê o mal, a senhora. Tudo é puro, tudo é belo. Nada do que se diga na televisão é ambíguo. Nada pode ter várias interpretações. Nem precisamos de advogados para nada, veja lá, tanta é a transparência das nossas leis e daquilo que os nossos sucessivos governos nos dizem. A ferocidade quase animalesca com que se atirou à avaliação dos professores deixa perceber muito bem qual é a sua visão, cara ministra. Mais, a palavra "professorzecos", com que brindou alguns docentes com dúvidas que a interpelavam não será propriamente um elogio, certo, cara ministrazeca? (calma, não se exalte. chama-se humor)


Avaliação - Gosto da ideia da avaliação por pares. Aliás, adoro. Mas então, se os meus "pares" vão ser os professores titulares... Quem nos garante que um professor titular seja mais capaz do que eu? A antiguidade confere-lhe o cargo. Conferir-lhe-á também a sapiência, a sabedoria, a capacidade de trabalho e julgamento? Terei eu a minha avaliação nas mãos de um professor acomodado que, ele sim, precisaria de ser saneado? Quem policia os polícias, minha cara? Quem avalia, escolhe e forma os tais avaliadores? Quem os controla? Quem os avalia a eles? E quanto à hipótese da avaliação ser feita por professores universitários, permito-me deixar escapar uma risadinha trocista. Oh minha senhora (aqui inspiro profundamente contando interiormente até dez, como faço quando tento explicar algo óbvio a um aluno que esteve desatento), são duas realidades distintas, ok? O universo universitário é assim um poucochinho diferente do universo do 2º ciclo, do 3º ciclo e do secundário, está bem? É que na universidade não há o facilitismo que há nas escolas. Na universidade chumba-se sem que o docente tenha que justificar isso com 34 páginas escritas em triplicado. Na universidade temos alunos adultos, com outra maturidade, que podem ser responsabilizados pelas suas acções. Na universidade temos outro tipo de condições, outro tipo de matéria, outro tempo que não escassos 45 ou 90 minutos por semana. Fiz a minha profissionalização recentemente. Ainda no ano passado, vá (sim, tenho duas licenciaturas para poder dar aulas...). Gostei muito dos meus professores, mas reconheço-lhes (e eles também o assumem) muita teoria. São teóricos. Isto deve ser feito assim, assim, assim e assado. É certo. No papel. Mas no dia a dia não temos tempo para por tudo no papelinho e para seguirmos passo a passo. No dia a dia, com 26 alunos numa sala com 10 computadores, temos que FAZER. ALI. E só se sabe o que é isso quando passamos por essa experiência, minha cara.

A união - agradeço-lhe isto, cara ministra. Conseguiu unir a classe dos professores. Conseguiu unir alunos e professores. Conseguiu unir socialistas, bloquistas, comunistas, sociais democratas e populares. Qual messias caminhando sobre as águas, a ministra conseguiu, pelo menos isso.

O facilitismo - O seu ar incrédulo ao ouvir falar do facilitismo no ensino é meritório de um Oscar. Pena a cerimónia já ter acontecido. Minha cara senhora. A avaliação dos professores depende linearmente da avaliação que estes fazem aos seus alunos. Mais, nos dias que correm, é facílimo dar um 3 ou um 4. Mas para se dar um 2, há que o justificar. Ou, resumindo isto como alguns colegas meus resumem: "ninguém chora por passar". Hoje em dia qualquer aluno transita de ano até prova em contrário. E provar o contrário não é fácil para ninguém a não ser para o aluno. Ele é reuniões, ele é aulas de apoio, ele é ligar aos pais, ele é adaptações curriculares, ele é um sem-número de medidas que visa rotular o aluno de idiota ou de incapaz em vez de lhe exigir mais e melhor em função das capacidades que possui. Por outras palavras, a escola refugia-se mais vezes na aplicação de rótulos de necessidades educativas especiais do que responsabiliza o aluno e os seus encarregados de educação pelo seu trajecto escolar. E se o aluno passa, é porque fez um bom trabalho. Se o aluno chumba, é porque o professor fez um mau trabalho e não soube criar condições para que o aluno passasse - acho que isto é facilitismo!

E fico-me por aqui, porque o nosso "serviço público" coloca estes debates a umas horas algo impróprias para quem, no dia seguinte, tem de enfrentar 26 pares de olhos ensonados às 8h30 da manhã.