quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Que sabe um professor?

Diz-nos a página do Ministério da Defesa Nacional (e eu acredito, pois claro), que Portugal vai adquirir 37 carros de combate Leopard 2A6 para o exército português.

Não são carros de combate a incêndios. Não consta que possam servir para ambulância. Não me parece que venham equipados com livros. São carros para a guerra. Diz que matam gente.

Ora, antes de mais, permita-me o Ministério da Defesa Nacional dar uma dica rápida: comprem um qualquer utilitário e circulem nas nossas estradas nacionais. Garanto que ficam a ver que também dão para matar gente, com a grande vantagem de sair muito mais barato para o erário público.

É que (e isto não é a página do Ministério da Defesa Nacional que nos diz) consta que os tais carros de combate custarão ao Estado alguma coisa acima dos 50 milhões de euros. Ora eu sou um mero professor, um simples cidadão, mas, daqui donde eu estou, custa-me a percepcionar a real necessidade que possamos ter de carros de combate. Principalmente numa altura em que se fala (e me obrigam a mim!) em apertar o cinto e onde os curtes orçamentais na educação e na saúde se sucedem. Não há dinheiro para que quem paga os seus impostos direitinhos tenha direito a um atendimento médico rápido, capaz e barato. Mas dá sempre para comprarmos mais uns carros de guerra. Não há dinheiro para se construir pontes e estradas que depois não exijam a quem as transita pagar (mais uma) portagem. Mas, lá está, temos dinheiro para comprar tanques para o nosso exército. Não há dinheiro para pagar formação aos professores, para equipar convenientemente as escolas com artigos luxuosos como aquecedores, ares condicionados ou novos vidros para substituir os partidos, mas há certamente dinheiro para investir em carros blindados.

Talvez estejamos em guerra. Talvez pretendamos invadir Espanha ou coisa que o valha. Talvez apenas falte, aos senhores do Governo, a capacidade para discernir as prioridades de um país que se encontra tudo menos bem.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Avaliação dos docentes, parte I

Não me levem a mal, sou completamente a favor da avaliação dos professores. Aliás, sou a favor da avaliação de desempenho de todos! Trabalhei e trabalho ainda por conta de empresas privadas e lá, ou fazemos um bom trabalho ou eles arranjam outro que o faça. Mantém-se a fasquia elevada, os funcionários motivados para fazerem um bom trabalho (embora haja a motivação positiva, que envolve uma promoção e consequente melhor remuneração, e uma negativa, que envolve, em último caso, o despedimento) e assegura-se um funcionamento eficaz e eficiente da empresa, seja ela qual for e em que ramo se mova.

Não é só a carreira de docente que precisa de um sistema semelhante. No fundo, todos os sectores públicos mereceriam semelhante postura, do pen-pusher em princípio de carreira ao gestor de cadeira almofadada atrás de secretária em mogno. Já lidei com o sector público, numa altura em que eu trabalhava por conta de outrem e é, de facto, frustrante ver a displicência com que muitos funcionários públicos atendem clientes e digerem, sofrivelmente, o seu dia. Placidamente lendo jornais, revistas cor de rosa ou regando as plantinhas do escritório, pareciam apenas vagamente intrigados com a minha azáfama enquanto tratava de lhes resolver os problemas da competência da empresa para quem trabalhava. Não pretendo, atenção, meter tudo no mesmo saco e dizer que todos os funcionários públicos são assim, ou que todas as empresas públicas funcionam assim, mas, de facto, marcou-me. E a imagem é tudo. Qualquer empresa privada vos dirá o mesmo ou assinará por baixo.

Mas é complicado fazer a avaliação a tanto funcionário público, compreendo. E, mais complicado ainda seria, retirando-se o devido proveito dos investimentos na burótica, ir dispensando funcionários públicos que não rendam o que deveriam render, cometendo o sacrilégio de, a exemplo de 90% das empresas privadas, reduzir custos. Compreendo que, para o erário público numa visão geral, o custo de manter empregada uma pessoa pouco foge do custo de lhe pagar a reforma ou o subsídio de desemprego... E, para a imagem do país (inserir riso histérico aqui), seria mau esse aumento da taxa de desemprego. Seria um investimento a médio-longo prazo, vá. Pouco apreciado pela maioria, bem sei... e principalmente tendo em conta que governo atrás de governo insiste em nomear assessor atrás de assessor (com o apelido estranhamente parecido ao de alguém ligado ao governo, em muitos casos) para ganhar balúrdios e para fazer coisas que, acredito, sejam importantíssimas.

Mas vamos voltar aos professores. Vamos avaliá-los a eles que eles é que são a raiz do mal deste país. Não vale a pena avaliar ex-ministros que assinam contratos com a duração de décadas com empresas que, escassos anos depois, eles próprios presidem. Ou os sucessivos ministérios de educação que fazem, desfazem, refazem e voltam a desfazer sem a mínima preocupação em manter uma coesão, em manter uma linha geral para todo o ensino e profissionais que nele trabalham.

Quero ser avaliado. Sobretudo para que professores que mal merecem esse cargo sejam responsabilizados pelos seus falhanços, pela sua incompetência, pela sua displicência ao lidar com a VIDA dos alunos (porque muitos mal percebem o impacto que o seu trabalho tem na vida dos miúdos). Avaliem! E tenham, pelo menos com estes funcionários públicos, a coragem de agir devidamente. Se alguém faz um mau trabalho não deve ser apenas impedido de progredir na carreira. (Acho que com este parágrafo muitos colegas meus me detestarão) Criem pelo menos a oportunidade para que novos docentes possam mostrar o seu trabalho. Muitos saem da universidade, inexperientes, é certo, mas com mais vontade de mostrar serviço do que muitos dos acomodados que se arrastam pelos corredores das escolas, lamentando o facto de ir ter que "aturar" os miúdos.

Tenham lá paciência, mas não temos que aturar ninguém. Somos pagos para fazer um serviço: dar aulas. Note-se que disse dar aulas em vez de ensinar. Ensinar implica que alguém aprenda. Aprender implica que haja motivação e um trabalho activo por parte de quem deseja aprender. Cabe-nos motivar e cultivar essa vontade, mas não é uma condição sujeita a avaliação consciente. Se há quem não queira aprender, pois que não aprenda. Eu posso tentar que aprendam, mas não posso (nem os papás me deixariam) exigir que o façam. E há tantos morangos com açúcar, operações triunfos, jogos de futebol, filmes e consolas a precisar de atenção que, compreende-se muitos jovens não tenham sequer tempo para se dedicar a aprender. O que lhes vale é que o nosso governo compreende isso e vai-lhes facilitando as coisas. Se o menino não sabe:

a) o professor é mau;
b) a matéria é muito difícil.

As soluções passam, geralmente por:

a) penalizar o professor;
b) simplificar a matéria.

O que não deixa de ser engraçado. Na Era da Informação, seria e esperar que o português médio cada vez soubesse mais, fosse mais capaz... E o que temos assistido é o contrário (que o digam os nossos engenheiros de estradas tortas, os nossos médicos com processos por negligência, os nossos arquitectos de casas com rachadelas ao fim de 2 anos, os nossos políti.... ui! isto não!).

O que interessa é o sucesso!! O que interessa é ter 80% dos alunos a concluir o 9º ano (mesmo que a maioria não saiba escrever uma palavra com mais de quatro sílabas sem dar um erro), o que interessa é reduzir a taxa de desemprego (nem que isso implique cursos profissionais em que prossiga o facilitismo das escolas públicas ou ter professores em part-time, com menos horas de trabalho - e consequente ordenado - inferior a muitos verdadeiros desempregados). E, como se gasta muito dinheiro com os professores (part-time ou full-time - para juntar dois estrangeirismos no mesmo parêntesis) vamos também tratar de fazer com que eles não subam tão rápida e facilmente na carreira.

Vamos até juntar o inútil ao desagradável. Já que se pretende que todos os alunos passem - até prova em contrário... e que difícil é, nos dias que correm, provar o contrário - independentemente das suas aptidões e conhecimentos, vamos dar um empurrãozinho para que os professores os passem: vamos por os papás dos meninos a avaliar os professores. Esses mesmo! Os papás dos meninos! Esses que nem conhecem os professores, a escola, que se dirigem à escola 1 vez por ano, quando o seu filho foi o (injustiçado) alvo de um processo disciplinar, ouvintes atentos das queixinhas dos seus rebentos que, coitadinhos, tiraram um zero no teste porque o professor não ensina e depois não deixa copiar e que ainda por cima embirra com eles, coitadinhos, que até têm o caderno em dia só que, por acaso, alguém o roubou e queimou por pura maldade. Os mesmos papás que são, muitos deles, analfabetos funcionais e que são os primeiros a atacar a escola e os professores em vez de tirar partido de um serviço que eles, afinal, também pagam e exigir e zelar para que os seus filhos tenham uma educação melhor. São esses senhores que nos vão dar as notas.

Aguardo (quase) ansiosamente o dia em que eu me converta ao funcionalismo público exemplar. Comprarei uma caneca que colocarei na minha secretária. Comprarei religiosamente as revistas cor de rosa. Trarei para a escola algumas plantas. No curto período em que os alunos querem e pretendem estar atentos, regorgitarei, de cor, alguma pseudo-informação e voltarei a minha atenção para a leitura empenhada das vidas e amores do nosso jet7, para a delicada atenção que me merecem as plantinhas e para a canequita com o café quente, para aquecer o espírito. Depois, bastará passar todos os alunos, piscar o olho aos que nada fizeram e sabem que passarão para cair nas boas graças dos seus papás. Tudo ficará bem. Perpetuar-se-á o ciclo das cunhas em Portugal, só que, desta vez, nem sequer é para um cargo de assessor.